por Júlia Albertoni
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Talvez seja melhor você nem ler essa crônica. Melhor seria você não fazer nada. E se você está desconsiderando o conselho e continua a ler estas palavras, vamos ver se eu te convenço a não fazer nada mesmo assim.
Tudo começou com a primavera, o sopro fresco que aqui no Hemisfério Norte traz novos inícios, a sensação de que agora sim o ano está começando e que estamos prontos para nos jogarmos do abismo – do jeito que a personagem Louca faz na história do livro A Jornada da Louca. Por isso, queria muito escrever para vocês uma crônica sobre o ato de criar, a vida criativa, e toda a história de Perséfone indo para o submundo. Só que não fazer nada veio se achegando e varreu essas ideias muito arianas para lá. Primeiro, por necessidade. Depois, como prática.
É um privilégio poder não fazer nada, ou seja, deixar o corpo estar, sem nenhum estímulo mental, sem executar nenhuma atividade além de estar / existir / respirar. E isso não é ócio criativo… porque se é para ser criativo, existe um propósito e não fazer nada significa não fazer nada com o propósito de nada fazer. Entende?
Foi o que passei a exercitar desde a última crônica selvagem, um pouquinho por dia. Comecei deitando na cama sob as cobertas, geralmente depois do banho, sem o objetivo de dormir, ou ler, ou ver um vídeo, ou pensar num assunto específico. O puro e simples objetivo era apenas existir. O silêncio. O sentir do corpo. O desestímulo da mente. Nada.
E então naturalmente a prática foi se estendendo para outros momentos. Deixei de pegar no celular a todo instante. Ao invés disso, passei a parar para contemplar o nada. Ao acordar, ao invés de ouvir rádio ou ler as mensagens dos chats, passei a tomar meu café olhando para a janela, nada. No intervalo do trabalho, ao invés de me afundar nas redes sociais, passei a sentar em um lugar confortável e deixar o tempo passar. Quando não encontrava um, ia apenas caminhar, sem o objetivo de me exercitar. Era só para fazer nada mesmo!
Fala-se muito mal por aí de gente que não faz nada, e achamos assim que temos que estar constantemente fazendo tudo. Talvez por isso me senti em casa em Londres – aqui, onde o capitalismo nasceu, o tempo estala uma certa urgência no ar. É desconfortável ficar parado. Time is money. Só que a prática de não fazer nada em poucos momentos do meu dia se mostrou uma manifestação radical. Não só em relação a um sistema que nos exige produtividade, mas em relação a quantidade de informação e atividades com as quais preenchemos nosso dia. Porque mesmo escolhemos estimular nosso corpo, mente e espírito a cada instante?
E então algo mágico aconteceu. Depois de três semanas praticando o não fazer nada em momentos homeopáticos do dia, um espaço começou a surgir. Um espaço para coisas novas – novas ideias, novas perspectivas, novos projetos, novas formas de ver a vida. Calma. Paciência. Um passo de cada vez. Tudo o que eu não esperava. No capítulo X da Jornada da Louca, o mistério que a Louca desvenda é claro: somente xícara vazia pode ser enchida. Com que frequência a gente esvazia as nossas xícaras?
E assim me vi voltando sem querer para o tema da primavera e o ato da criação, que queria compartilhar com vocês em primeiro lugar. É que para criar, precisamos esvaziar. E para esvaziar, precisamos esvaziar. Não dá para esvaziar enchendo.
Por isso, digo de novo. Talvez seja melhor você nem ler essa crônica. Melhor é você se permitir não fazer nada.
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