O sol nem apareceu ainda, esta escondido na neblina cinzenta que insiste em descolorir o céu londrino nesse final do inverno e meus pensamentos insistem em relembrar estranhamente trechos de músicas pop. É que ontem eu vi meu primeiro musical em West End, onde shows se amontoam com roteiros mainstream configurando o que é a Broadway daqui. A peça contava a história de Julieta caso ela não tivesse se suicidado por Romeo no final da obra de William Shakespeare. Meu colega de trabalho me alertou que o show seria uma “cheesy love story”, maneira pejorativa de o chamar de “um romance meloso”, visto que músicas da Britney ao Bon Jovi costurariam o roteiro. Mas eu achei a coisa toda um clichê criativo, que além de me deixar cantarolando mentalmente “I want it that way”, me fez pensar. É que uma frase que eu não sei muito bem em que parte do segundo ato apareceu foi mais clichê que as musicas e me atingiu. Ela me atingiu como um dos canhões de confetes que explodiram ao som de Katy Perry: “você só precisa acreditar… no amor”. Eu já havia ouvido essa frase, afinal é assim que o clichê funciona. Só que eu também já havia sentido essa frase quando eu decidi literalmente acreditar no amor e o amor aconteceu.
Muitos amores românticos destrutivos fizeram a transformação da minha adolescência para a vida adulta. Meu coração era atraído por pessoas tóxicas, impossíveis, confusas, pela vida, pela mente, pela cultura, e elas me machucavam. E eu me machucava. Muitas vezes eu desacreditava no amor de forma que eu não expressava para quem eu estava amando que eu talvez amaria ela – se é que isso faz sentido. Eu escrevia poesias, músicas e contos para o que entrava dentro de mim mas não tinha jeito de sair de uma forma mais objetiva. Até um dia eu acordar diferente. Nunca vou esquecer quando eu escrevi de batom vermelho no espelho da minha kitnet universitária: eu acredito no amor. Mas não foi escrever por escrever. Eu realmente acreditei no que eu escrevi. Agora vocês acreditem ou não, naquela mesma noite, eu reencontrei um grande amigo, um amigo que se tornou um amante e que até hoje divide seu amor comigo. Seria o clichê uma verdade?
Eu adoro assistir romance adolescente ou comédia romântica. Outra parte clichê de mim. Algumas semanas trás eu assisti um filme chamado After, baseado em um best-seller de Whatpadd. No filme, a personagem principal se apaixona por um garoto com vários problemas psicológicos, do arquétipo menino rebelde, e ela abre mão das certezas que tinha da vida para se jogar no relacionamento. Honestamente, eu assisti o filme inteirinho querendo pegar na mão daquela menina e dizer: flor, não faça isso com sua vida, você não vai mudar a vida dele e quando você menos esperar, ele vai te dragar para o poço do absurdo. Eu me senti como a versão mais velha da jovem apaixonada, a avó que dá conselhos sábios e que vai contra ao que eu acabou de concluir da sua própria história de amor. Afinal, até que ponto é para acreditar no amor?
Meu raciocínio começa a percorrer outros labirintos. E se no dia que eu escrevi a frase no espelho eu entendesse que o amor era além do que é romântico? E se eu entendesse que amor tem também haver com impor limites, com cuidar de si, para poder chegar ao outro? E se amar significa as vezes se priorizar para poder amar de fato? Isso não tem haver com ter um bom coração ou não. Esses filmes, livros, historias ensinam que temos que acreditar num tipo de amor romântico, mas a potência talvez está no acreditar. Existe um poder único quando a gente acredita em algo que nos dá sustentação. E uma outra frase estourou no meu canhão agora imaginário: você precisa acreditar em você.
A dúvida é uma grande armadilha. Ela desestabiliza o acreditar. Sintam essas crônicas por exemplo, talvez poucas pessoas tem a paciência de ler elas até o final – obrigada, obrigada, obrigada você. Volta e meia eu me critico, me cutuco, digo que nada esta bom, que ninguém vai as ler de qualquer forma e que eu preciso urgentemente desistir. Porque as vezes eu não confio no meu poder. No amor que eu tenho por mim. No amor que eu tenho pelo outro também. O maravilhoso criativo da peça é que a Julieta não escolheu o Romeo, que ressuscitou dos mortos. Ela escolheu ela. A história dela. A narrativa dela. As potências dela. E eu cheguei em casa ontem a noite pensando f***-se os clichês. Eu acredito em mim.
– E você, no que acredita?
J.P.A.
As Crônicas De Uma Mulher Selvagem nasceram da coincidência das folhas, dos sonhos e da potência das escritoras da alma. Se você quer acompanhar as palavras que seguem o instinto, os textos são publicados semanalmente por aqui. Lembre: a vida selvagem dá sustentação de dentro para fora.
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