Tomo Banho de Floresta

Hoje vamos falar de Londres, de mato e de absurdos. Sim, porque metro, apartamento, shopping, mercado, loja, vida moderna faz a gente ficar com fome de verde, de estar imersa numa paisagem selvática, natural e espontânea, de tocar a terra com a planta dos pés e a ponta dos dedos. Não é que eu esteja reclamando, porque Londres tem um lado que você não acredita: se você entrar no Richmond Park ou em Hampstead Heath você jura que está perdida no interior ou, se você tem uma imaginação fértil, numa floresta encantada povoada de gnomos. Para mim, mais fácil ainda: minha casa fica entre o Ravenscourt e o Holland Park.

Quando eu estava na Itália minha grande amiga havia acabado de imigrar para Portugal e me recomendou: Julia, passa tempo perto das plantas. Isso vai ajudar você a entender a energia dai, aterrar, sentir-se presente. Quando eu cheguei em Londres assisti uma palestra do Museum of London que fez entender porque o conselho da minha amiga fez muito sentido. A professora Jacqueline McGlade ressaltou a importância da biodiversidade para nossa saúde através de ações muito simples, como caminhar numa floresta, andar num parque verde, respirar o ar que circula entre as árvores, observar os insetos entre uma folhagem e outra. Existe um nome para uma delas que eu adoro: tomar banho de floresta – uma prática que dialoga com o naturalismo japonês e que literalmente significa passar algumas horas dentro de uma área arborizada o suficiente para nos sentirmos numa floresta. 

Eu acho engraçado afirmar isso, mas estudos científicos comprovam que <tomar banho de floresta> diminui o cortisol, regula o a pressão arterial, fortalece o sistema imunológico, melhora a saúde humana no geral. É engraçado dizer que “cientificamente estar no meio da floresta é bom para nossa saúde”, porque me parece bem óbvio que é muito melhor do que viver no meio de concreto e asfalto. Mas o óbvio ainda é restrito: entre as rodovias e muitas luzes artificiais chegamos a conclusão que esses estímulos não são saudáveis, logo nós, que pelas luzes da civilização desdenhamos tantos jeitos outros de se viver.

O que é incrível é que Londres é uma cidade arborizada, os cafés tem plantas, os bairros tem parques, as pessoas ocupam esses lugares com seus cachorros e com suas vidas. Em Hampstead Heath, por exemplo, existem pequenos lagos públicos – eu disse lagos – para quem quiser nadar e esses dias eu passei lá e jurei que um dia voltaria para tomar banho gelado de inverno. Por mais que os bairros mais carentes são como no Brasil, acabam tendo menos áreas verdes, eu considero no geral aqui mais saudável do que a cidade de onde venho do interior do interior do Rio Grande do Sul, o que é meio doido porque estou comparando uma cidade cosmopolita internacional com o interior do Brasil. Eu estive lá verão passado morrendo de calor e não encontrei nenhum rio para me banhar, nenhuma floresta para mergulhar: os rios no geral estão poluídos pelos colonos que compraram a ideia equivocada que é mais fácil usar venenos nas plantações e os matos são propriedade privada – existem poucas opções públicas para quem quer tomar um banho de floresta. A solução que nos dão é que a gente tem que se trancar num quarto com ar condicionado. 

Honestamente, isso me parece a narrativa do absurdo, porque afinal as árvores são de graça, o mato cresce livre, as plantas não pedem licença. É claro que eu poderia começar a escrever uma ladainha política sobre a organização de uma cidade, mas o pensamento de que tem que arrancar o mato, cortar a árvore e encher tudo o que puder de brita talvez esteja nos tirando além de biodiversidade, saúde – e ninguém está falando sobre isso. Enquanto a gente ficar achando que a destruição dos biomas está lá longe, na Amazônia, nas ilhas do Pacífico, distanciamos a realidade absurda das nossas cidades, de onde vivemos aqui e agora, seja no interior ou na cidade grande. Eu entendo que todo turista quer conhecer a Tower Bridge, a Oxford Street e a Trafalgar Square – eu juro que entendo – mas conectar com o verde, a terra e o bioma de um local para mim é muito importante. Isso me dá a sensação de “terra planeta”, como disseram as lideranças indígenas brasileiras essa semana na UCL. Consciência planetária, experiência sensorial, conexão com a vida, saúde. E por isso afirmo (a rainha que me desculpe): troco a Buckingham Palace por um banho de floresta.

J.P.A.

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