"Just Do"

O eco da voz de Benedict Cumberbatch através das palavras escritas por Sol LeWitt nos anos 1960 me acompanha como uma sombra que se ilumina a cada quilometro avançado na manhã de quarta-feira. “Apenas faça” elas se repetem e complementam o meu desabafo de alguns dias atrás, quando o disse num raio que atinge a torre do infinito, derretendo o que não precisava estar mais construído, criando espaço para o que precisa ser erguido. “Apenas faça”, elas continuam se repetindo sem receio de iluminarem a verdade, a incomensurável verdade que brilha como um diamante esquecido e perdido numa pilha imensa de argila vermelha… “apenas faça”.

Bem que eu queria encontrar inesperadamente Benedict num taxi ou talvez num café charmoso para entre um papo e outro palavras de sabedoria brotarem entre nós. Mas as palavras preciosas “Just do” não eram sequer “dele”, foram ouvidas num vídeo de um projeto chamado “Letters Live” gravado aqui em Londres no qual atores são convidados para interpretar correspondências históricas. As cartas do passado se tornam vivas no palco e, nesse caso, a carta escrita pelo artista chamado Sol LeWitt para outra artista chamada Eva Hesse em 1965, rompia nas entrelinhas: “Não. Aprenda a dizer foda-se para o mundo de vez em quando, você tem todo o direito disso, apenas pare de pensar, de se preocupar, de olhar desconfiada atrás dos seus ombros, de especular, duvidar, temer, de se ferir, de esperar por uma saída fácil, confusa (…) pare e APENAS FAÇA”.

Sol escrevia para ajudar Eva sair de um bloqueio criativo na sua carreira e o que ele aconselhou foi ao encontro de quando eu tive a fugaz certeza que o problema do mundo era a falta do fazer. “As pessoas reclamam demais e fazem pouco” eu repeti com uma eloqüência soberba. Eu tive uma infância simples e cresci com esse tipo de força monstruosa. Quando eu não tinha algo, eu ia lá e fazia. Quando me diziam que aquilo faltava na minha vida, eu dava um jeito e fazia. Quando colocavam na minha cabeça que não era possível, eu ia lá e fazia. A ideia do “apenas faça” sempre andou de mãos dadas com minha teimosia. Mas meu desabafo encontrou um contraponto, porque apesar de ser uma virtude, há problema em só fazer e não esperar, respirar, ouvir, observar – apenas faça pode ser um elefante desgovernado que precisa aprender o momento de deixar o mundo fluir. 

A ideia emerge com sentido no movimento punk dos anos de 1970, quando as bandas passaram a criar seus próprios selos, seus próprios fanzines, sua própria cultura, sem esperar pelo sistema, pelo governo, pelos outros resolverem entender que o que estavam criando era potente o suficiente para modificar uma geração – e eu realmente acho que tem que ter um pouco de punk correndo nas veias para dizer, f***, eu vou fazer isso aqui, a sociedade querendo ou não, eu mesma faço. No fim das contas, fazer é libertador, traz autonomia, um senso de que é possível ainda que o contexto pareça improvável, que todo mundo diga que não vai dar, que as coisas pareçam bloqueadas, tristes, sem esperança.

Minha pergunta ao ouvir as palavras de Sol por Benedict é: e se formos todos artistas das nossas próprias vidas? E se a capacidade criativa não seja algo reservado só para os artistas? E se nos vermos como artesãos da nossa realidade? E se em algum momento da nossa trajetória sofrermos bloqueios criativos, como Eva? Fugimos, nos preocupamos demais, nos machucamos, deixamos obstáculos tirarem nossa força, nossa vitalidade e o pior, reclamamos. Lamentamos, lamentamos e lamentamos.

A mensagem de Sol reluz para nós artistas e derrete nossos obstáculos, desobscurece os pensamentos que nos empurram para baixo, para trás, para uma densidade estática que não nos permite mover. Mas a mensagem também cintila com minha certeza equivocada, porque só fazer não deixa espaço e talvez seja preciso fazer enquanto se aprende a construir possibilidades, fluxo, vida. Quando temos esse entendimento, seguramos o diamante precioso entre os dedos, para ele nunca mais se perder novamente no monte de barro, com nosso sangue metade punk, metade zen.

J.P.A

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