Uma vela no formato de um cogumelo queimava no centro da roda no chão da sala como a representação da nossa fogueira de contação de histórias. Conversávamos de tudo um pouco, mas éramos conduzidos principalmente pelo movimento do fogo e pelo encontro do Oriente com o Ocidente. É que meu amigo que morou anos na China e seu amigo nascido em Hong Kong vieram almoçar conosco e do almoço emergiram as conversas, a vela de cogumelo, o conhecimento do outro e as palavras. Quantas palavras. Tentamos descobrir o segredo oculto delas quando me explicaram como funcionava a cultura da língua chinesa. Para esta, os nomes, por exemplo, representam uma sonoridade de elementos que tem significados. Meu amigo tem no seu nome os caracteres do que seria a palavra <floresta> cuja conexão é com o elemento madeira e o fogo, por isso, seu nome dá movimento a sua personalidade. Para os chineses, os nomes são vivos.
Eu estava tomando chá e conversando com meu jardineiro dias antes do encontro com o Oriente quando não tive outra certeza se não o fato de que não só os nomes, mas as palavras tem vida. Elas materializam algo que rodopia no ar e que anda a céu aberto. Antes de escrever, a coisa toda é só um pensamento que vaga em algum lugar sem muita forma, sem muito objetivo, sem muita clareza. Mas quando a gente escreve… tira do céu e põem na terra.
Antes de descobrir que eu tinha uma parte meio bruxa, outra meio cigana e a outra meio búdica, eu comprei um caderno. Era um caderno vermelho, com uma árvore de cerejeira desenhada na frente e muitos pássaros. Mas eu não comprei o caderno para um curso, para ir na faculdade ou para escrever minhas poesias sem fim, eu comprei porque eu vi na vitrine e uma voz me disse: compra essa caderno, garota. Eu resisti um pouco, mas no fim das contas estava com ele debaixo do travesseiro. Refleti muito sobre o que eu queria escrever ali e em algum momento decidi escrever sobre a minha vida, sobre o que eu sentia e sobre o que eu queria projetar. Depois eu esqueci dele por um tempo e quando fui o ler novamente, tudo o que eu projetei ali aconteceu do seu jeito. Todos os sonhos viraram realidade… Estranho, pensei. E continuei escrevendo.
Depois de mais tempo ainda eu fiz curso de reiki e no final do curso a mestre recomendou que comprássemos um caderno, adivinhem só… da cor vermelha… onde poderíamos escrever nossas maiores aspirações. Eu dei uma risadinha abafada. Conforme eu me aprofundava no caminho espiritual, curiosa com as teorias e filosofias, percebi que muitos professores recomendavam escrever os sonhos, anotar as aspirações, dar forma ao que se quer em cadernos, através das palavras. Também recomendavam escrever frases de proteção ou afirmações para firmar na terra uma verdade que precisava ser integrada por completo, por exemplo, escrever a frase “eu sou amado” no caso se você se sente muito só. Nesse sentido os chineses usam também a escrita para criar talismãs, porque existem caracteres que pelo seu poder de vida funcionam como um amuleto para o espírito.
Ouço muito a expressão: “cuidado com o que você pensa”. Mas eu iria além e diria: atenção com o que você escreve. Ainda mais em tempos digitais onde a escrita corre solta, viram posts, mensagens, comentários, anotações. O que tiramos do céu e firmamos na terra? Ao que temos dado forma? O que estamos materializando? Não duvide do poder das palavras: são encantamentos. Talvez de estática elas só tenham a aparência… talvez nossa língua tem mais semelhança com a língua chinesa do que imaginamos. Precisamos só sair da superfície. Enxergar nas entrelinhas. Entender o encantamento. As palavras podem ser talismãs. Há muito poder na escrita.

J.P.A
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