Finalmente eu estava num pub londrino, acolhida do frio de dezembro ao redor de uma mesa oval que parecia ser o tronco de uma árvore. Minhas orelhas estavam dilatadas para poder entender a diversidade de sotaques dos meus colegas de trabalho quando alguém me perguntou: “Qual é seu desejo de Natal?”. Fui pega de surpresa pelo desejo que permeia o espírito natalino. Disfarcei olhando para o senhor de boina que respondia o Quiz do pub no microfone perto do balcão. Afinal, eu tinha um desejo?

Eu vivi sonhando aventuras. Aos 15 anos eu era da CIA, da Globo, de Hollywood, de organizações internacionais, atriz, rock star, mãe, namorada do Leonardo DiCaprio, do Brad Pitt, de todos os atores de Malhação em menos de uma semana… é impressionante como pessoas e coisas famosas vão parar de repente no inconsciente criativo. Eu criava contos de fadas modernos enquanto andava na rua, esperava o ônibus, ouvia a professora e isso perdurou até eu ter mais idade, porque minha imaginação sempre foi insaciável. Sonho e desejo se misturavam num mundo paralelo e traziam uma sensação vazia de que o sonho não estava no presente.
Um dia desses eu estava no escritório e ouvi minha chefe conversando com um de seus alunos que acabara de ser contratado como ator numa produção grande de cinema. Logo que soube da noticia ela exclamou: “So you are living the dream, ham?” (“Então você está vivendo o sonho, hein?”). A frase floresceu nos meus pensamentos. Será que eu também estava vivendo o sonho? Que sensação mais esquisita… Desde que sai do Brasil foram tantas informações novas que não sobrou espaço para imaginar. Existiu apenas eu, nua e crua, buscando antes de mais nada sobreviver.
Voltei minha atenção do senhor do microfone e o momento se desmanchou como uma estrela cadente no céu. Respondi: eu não tenho desejos agora… Esta tudo bem. Um amigo meu diz que quando a gente realiza um sonho a gente mata ele. Sua opinião é que é melhor não os realizar. Eu sinto que quando voce realiza um sonho e esta atento o suficiente, pode perceber numa das frestas do tempo que tudo já é um sonho e que não há mais nada a desejar.

* Essa é a primeira publicação de uma série de crônicas que tenho escrito na minha nova vida em Londres. Aqui me reencontrei, a cidade é como uma velha amiga. Há poesia em todo o lugar e as palavras escorrem pelos meus dedos. Entendi o tempo, pensei: e se eu pudesse escrever sobre a magia que emerge nos simples momentos?
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