Você já ouviu falar em… alquimia?

Depois de um tempo de “imersão eremita” nas últimas semanas ~ me ausentei do blog para focar em outras criações ~ volto com novas pautas e nem tão novas ideias assim. Há um tempo eu quero compartilhar por aqui mais estudos relacionados ao autoconhecimento e, adivinhem, estou produzindo a matéria-prima para um projeto de doutorado que tem tudo para ser mágico e profundo, ou seja, estou com muitas referências pairando ao meu redor. Falei e falei sobre esse meu desejo auspicioso, mas me sinto numa dívida aguda com o universo porque as palavras depois de ditas se tornam uma realidade e, no caso, uma realidade que eu acabei deixando de lado.

Por isso, hoje eu quero falar de alquimia. Eu fiz um artigo sobre “Alquimia na Idade Média” no meu segundo semestre de faculdade e, na época, pouco encontrei bibliografia sobre o assunto ~ eu não conhecia ou nem sei se existia libgen.io. Hoje, as referências são muito mais vastas, mas chamou minha atenção que, quando eu fiz um stories no instagram sobre o livro “Alquimia e Tarô”, do Robert M. Place, algumas pessoas comentaram que achavam a alquimia um assunto “pesado”, “denso”, talvez algo próximo de “magia negra”. E, de fato, até eu tinha essa sensação em relação ao assunto, antes de estudar mais. Vamos ver se eu consigo explicar para vocês porque.

O que é alquimia? 

Alguém já leu Harry Potter e a Pedra Filosofal? Pois é, Nicolas Flamel, um dos personagens centrais da trama do livro ~ que dizem por aí ser o amante do Dumbledore ~ era também uma pessoa real, ou melhor, um alquimista parisiense do século XIV que, segundo lendas, conseguiu desvendar o segredo da alquimia. E que segredo era esse? Entender, criar e aplicar o processo de Transmutação.

Os alquimistas acreditavam que tudo ao nosso redor está em constante mutação e por isso, através dos métodos corretos, seria possível transformar chumbo em ouro, assim como o homem em sábio. Nicolas Flamel teve um sonho onde um Anjo lhe apresentava um manual para transformar metais comuns em ouro e criar a Pedra Filosofal, a pedra da imortalidade. Depois de muito tentar, diz a lenda que ele e sua esposa Perenelle conseguiram o feito, mas a historieta indica algumas coisas importantes sobre os alquimistas: além de eles buscarem transmutar os metais em ouro, fazer criações a partir da matéria, orientavam-se pelo mundo da subjetividade e do inconsciente, como sonhos e meditações. Por isso, é difícil compreender os estudos alquímicos. Em sua maioria, são confusos, porque cada alquimista trazia suas visões e caminhos para chegar no processo de Transmutação e talvez justamente por isso são vistos muitas vezes como estudos ocultos.

O processo alquímico se chamava Magnum Opus (grande obra) e a substância que transformaria a matéria era denominada de “Anima Mundo” (alma do mundo) ou também de “Quinta Essentia” (quinto elemento essencial) e “Lapis Philosophorum” (pedra filosofal). Na tentativa de entender a Transmutação, os alquimistas estudavam os elementos da natureza, considerando que o mundo todo está vivo, em movimento e constante transformação. Desses estudos emergiram as matrizes da química, medicina e física moderna, já que através dos experimentos se identificavam compostos diversos.

File:Philips Galle - The Alchemist - WGA8441.jpg
Pintura de Philip Galle (1537–1612), um laboratório alquímico, com detalhes para os materiais e os livros portal de conhecimento.

A orientação dos experimentos era indicada pelo entendimento dos quatro elementos: Fogo, Terra, Água e Ar. Um alquimista que eu gosto bastante era Paracelso (1493-1541), médico que usava a alquimia para pensar os medicamentos e seus tratamentos de cura, através da teoria dos humores e dos quatro elementos [1]. Astrólogos, como Giordano Bruno, também compartilhavam da filosofia hermética e alquímica, além dos tarólogos, como Etteilla (1738-1791) e Edward Waite (1857-1942), alguns séculos depois.

No entanto, muitos alquimistas eram charlatões e circulavam nas cortes europeias como magos oficiais, deslegitimando a filosofia hermética. E foi com o surgimento da química moderna, especialmente por Robert Boyle (1627-1691) [2], Lavoisier (1743-1794) e John Dalton (1766-1844), este que trouxe a compreensão do átomo como a unidade indivisível da matéria, dando origem à tabela periódica, que as teorias alquímicas se silenciaram, colocadas na gaveta do misticismo obscuro e “nada científico” para o pensamento cartesiano.

A Senhora da Alquimia, seus olhos são o sol e a Lua, sua testa as três essenciais, ela segura os animais, entre outros símbolos alquímicos. Imagem da Collectanea Chymica, de Morley e Muyckens, 1693.

Quando eu entendi melhor a história da alquimia, conclui que a suposição que era uma “arte das trevas” se deve muito mais à preconceitos criados pela ciência que emergiu e, talvez, pelos charlatões que deslegitimaram suas premissas, do que pela alquimia em si, já que a mesma é um caldeirão de influências diversas: herméticas, astrológicas, gregas, egípcias, mitológicas e sem sombra de dúvidas derivadas do acesso ao inconsciente coletivo. 

Acho muito interessante alguns conceitos alquímicos, como o uso da imaginação para fazer “ciência” ou “medicina”, a exploração de símbolos e desenhos como formas de aprendizado e significado, a visão do mundo como em constante transformação… Isso foi inclusive explorado no século passado pelo psicólogo Carl Jung (1875-1961), que usou das teorias alquímicas para elaborar entendimentos sobre arquétipos e sobre o inconsciente coletivo.

O interessante é que existe uma aproximação dos físicos modernos com a alquimia, quando, por exemplo, em 1941, os físicos Carl David Anderson e Kenneth Bainbridge bombardearam mercúrio com nêutrons e o transformaram em ouro. Hoje, os cientistas sabem que o átomo, antes indivisível e sólido, é na realidade um espaço vazio com outras partículas elementares viajando dentro dele. E lá vamos para a imaginária e abstrata física quântica, talvez dos novos alquimistas ~ desculpem o anacronismo.

Uma breve história

A alquimia é uma “área de estudo” ancestral da ciência ocidental, esta que só emergiu no século XVIII e, importante lembrar, na Europa. Para resumir de cara e de uma forma bem simplista, a cultura egípcia e o misticismo judaico se fundiram com a cultura grega, combinando filosofias, dando origem a alquimia ocidental, especialmente no ambiente efervescente de Alexandria, no Egito.

O mais antigo alquimista parece ter sido um tal de Zósimo, que vivia nesta cidade no século II, e que definiu alquimia como o “estudo da composição das águas, do movimento, do crescimento, da incorporação, e da desincorporação, extraindo espíritos de corpos e prendendo espíritos em corpos” [3].  Também tem raízes egípcias os manuscritos alquímicos mais antigos encontrados, como o Papiro de Estocolmo, que explicava, entre outras coisas, como colorir pedras e produzir prata e ouro.

A cultura egípcia não só concebia a alquimia como uma forma de estudar “os corpos”, mas também possivelmente atribuía explicações espirituais a estes estudos, já que se orientava pela cosmologia mitológica de Ísis e Osíris e realizava o embalsamento dos mortos como ritual sagrado. Zósimo e possivelmente outros, fundiu isso com a filosofia grega, e, orientado como todo alquimista por seus sonhos e visões, teorizou as operações químicas para o processo de transmutação.

Who Was Hermes Trismegistus?
Representação de Hermes Trimegisto.

Nesse caldeirão de culturas na Alexandria, o egípcio deus Toth, deus da magia e das palavras de poder, foi combinado com o grego deus Hermes, deus da comunicação e da sabedoria, resultando em Hermes Trismegisto. Os seguidores dessa divindade ficaram conhecidos como hermetistas e a filosofia hermética foi incorporada na alquimia. Aí que a coisa fica interessante, porque eles tinham uma visão de mundo baseada na astrologia mística e os seus conceitos básicos eram:

~ que o mundo é um ser vivo: tudo está vivo e tem alma, composto por Terra, Ar, Fogo e Água

~ que a mente e a realidade física estão conectadas

~ que a imaginação é porta de entrada para a realidade da alma, por isso, ela é real

~ que existe conexão entre o macrocosmos e o microcosmos, “o que está embaixo é como o que está em cima, e o que está em cima é como o que está embaixo” [4]

~ que o objetivo da vida é se transformar para algo novo e melhor, assim, o chumbo pode ser ouro e o homem comum, sábio

~ que todas as religiões e culturas partilham de padrões comuns, o que veio a ser chamado de arquétipos

~ que a verdade espiritual para ser acessada precisa de rituais de iniciação

O que aconteceu para dar mais caldo para tudo é que os árabes conquistaram o Egito em 642, entrando em contato com os alquimistas e teorizando ainda mais sobre essa filosofia. As trocas culturais do Império Turco Otomano com a Europa trouxeram a alquimia para os territórios europeus, por volta de 1259, cravando no ocidente uma cultura que se espalhou cada vez mais, especialmente entre os séculos XIII, XIV e XV e depois, no período renascentista. A alquimia era ensinada nas universidades européias, com diferença para a astrologia pelos testes e experimentos físicos, além do uso de linguagens ancestrais e simbologias.

1 – Teoria dos Humores tem matrizes gregas com os tratados médicos de Hipócrates de Cós, na Gŕecia Antiga.

2 – Publicou o livro “O químico cético” e atacou os quatro elementos da fundação da alquimia em

3 – O Sonho de Mendeleiev: a verdadeira história da química, P. Strathern

4 – Frase que está contida na Tábua da Esmeralda, tratado enciclopédico árabe do século X

Livros utilizados:

Alquimia e Tarô, Robert M. Place

The Cambridge Dictionary of Magic and Witchcraft in the West, editado por David J. Collins, versão inglesa

One response to “Você já ouviu falar em… alquimia?”

  1. […] uma viagem matemática que eu não entendi bem ~ e que tem relação com a alquimia (para entender sobre alquimia clique aqui). “Arcano significa uma operação secreta”, diz o autor, sendo que os alquimistas utilizaram o […]

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