Inicia o inverno. Quem está próximo ao Trópico de Capricórnio, talvez sente mais. No dia 21 de junho, o sol atinge máxima angulação leste – oeste no hemisfério sul. É o dia mais curto do ano e a noite mais longa. A carta conselho para vermos esse fenômeno e a estação que chega é O Eremita. Escrevi um pequeno conto da Louca, inspirada na história europeia ancestral Três Cabelos de Ouros, para trazer um conselho diferente, poético e profundo.
A Louca e o sol da noite por dentro
O céu reflete uma luz púrpura, porque a noite mais longa do ano está ascendendo no horizonte. Pode ser que estejamos cambaleando por entre as pedras cinzentas com pequenos poros brilhantes. A Louca está. Ela desvia as rochas ouvindo apenas seus passos e o farfalhar das folhas que voam sibilantes conforme o sol se esconde. É tempo de voltar.
O pequeno cachecol amarelo que ela veste também não consegue fugir da força do vento, balançando atrás do seu pescoço como duas asas aladas a empurrando no caminho. Logo, a escuridão toma conta do céu e a única coisa que a ilumina é o velho lampião que ganhou de seu pai. Ela empunha ele com a força que lhe resta em frente ao seu nariz. Mas sua luz está fraca, desgastada, quase apagando, trêmula pelas condições do ar e da terra. Ela já não sabe se vai ter luz suficiente para chegar.
As nuvens tapam a lua e as estrelas, os animais começam a entoar os sons da noite que arrepiam os perigos da vida selvagem e ela sente um cansaço profundo que toca até seus ossos. Quando pensa que não vai mais conseguir continuar, avista uma caverna conhecida. Era onde ela vinha brincar quando criança.
A Louca avança com suas últimas forças até a entrada da caverna. Quando chega ali, ela desaba pois suas pernas não aguentam mais segurar o peso do seu corpo e da sua alma. Do jeito que pode, ela se acomoda para enfim descansar. Mas a noite é longa. O lampião apaga de repente. Na penumbra, ela tem sonhos esquisitos. Ela sente muitas dúvidas. Não quer mais ver o mundo. Apenas o silêncio e o sono lhe faz sentido. A canseira funciona como um elemento congelante. E está frio. Muito frio. Não há mais fogo.
Ela acorda inúmeras vezes arrepiada. Até sonhar com uma velha com orelhas de urso sentada ao seu lado, embalando um cesto onde a própria Louca se encontra. Todas suas preocupações desaparecem com a sensação do balançar. Há uma fogueira no canto da caverna que aquece sua pele, que começa a crescer tufos de pêlo marrom caramelo. A velha sorri em silêncio para ela.
A Louca acorda buscando sinal dos pêlos em seus braços. Não há nada. Mas sente algo pesado em seu pescoço e toca num colar com garras de urso pendurado junto ao seu coração. Surpresa, vê os primeiros raios de sol entrando lentamente pela caverna. Quando eles tocam o lampião velho do seu pai, acendem uma luz clara e radiante dentro do objeto. Ela olha para a vida revigorada pelo silêncio da noite e pela escuridão que recebe luz. É tempo de voltar para casa.
Se você gostou desse conto, acompanhe A Jornada da Louca.
Conselho
Se o sol é o fogo, a energia, a consciência que dá vida e ordem ao mundo, enquanto a lua é a intuição, a água, o inconsciente que dá vazão aos sonhos, podemos perceber simbolicamente o inverno como a estação que provoca o mergulho na noite da alma que aos poucos vai sendo iluminada pela força solar. É como se o inverno nos convidasse a olhar para nossas sombras, enquanto a energia da consciência vai chegando, aquecendo, clareando, como a estrela no lampião do Eremita, até desabrocharmos na primavera.
Quando o inverno está quase chegando, a nossa luz pode estar quase acabando… talvez estejamos cansadas, precisando de um lugar seguro, como uma caverna, para nos recuperarmos e conseguirmos voltar para casa. Nos sonhos, quando entramos em contato com nosso inconsciente, podemos receber mensagens esclarecedoras, como a Vó Ursa, que nos embala como crianças, para que aprendamos a cuidar de nós mesmos até um novo dia nascer. A velha ou O Eremita habita dentro de nós.
Os raios de sol entram, a nossa luz reacende e, com a clareza da consciência, podemos seguir nossas jornadas. É importante cuidar e sermos cuidadas, embalarmos nossos corpos, ideias, projetos, pensamentos, amigos e familiares com amor, nessa estação de recolhimento, entendendo que as perguntas são silêncio e que as respostas podem ser silêncio também.
Bom inverno para nós e feliz dia de nascimento do sol,
Júlia
Esse conteúdo faz parte da News Cósmica. Para ver ela inteire e se inscrever, clique aqui!
Leave a Reply