“Por isso, diz-se que, se você estiver perambulando pelo deserto, por volta do pôr-do-sol, e quem sabe esteja um pouco perdido, cansado, sem dúvida você tem sorte, porque La Loba pode simpatizar com você e lhe ensinar algo – algo da alma”. Clarissa Pinkola Estés
A Loba ou O Lobo, os canis lupus, uivam o mais alto que podem para encontrar os membros de sua matilha. Assim, estão prontos para caçar iluminados pela luz da lua. Quando ela está cheia, a luminosidade facilita o agrupamento e as estratégias de caça. Por isso, as lobas são sensitivas às fases da lua, acompanhando-a. A lua representa o inconsciente oculto, a energia psíquica individual e universal que guarda os segredos da sabedoria profunda. A conexão deste animal com ela para fins de sobrevivência e instinto simboliza o acesso aos conhecimentos do espírito, de forma que as lobas se tornam o animal de poder das grandes mestras, sábias e professoras.
Mas a energia da sabedoria da loba não é simplesmente pragmática. É selvagem, instintiva e de uma inteligência emocional que beira o individual e o coletivo. As lobas vivem sua individualidade ao mesmo tempo que estão em família. Ou seja, este animal de poder nos ensina sobre tempos que é necessário ficarmos sozinhos para trazer luz ao inconsciente e só então nos juntarmos ao grupo para compartilharmos o que aprendemos. O senso individual dos lobos não oculta o fato de que estão constantemente preocupados com o clã. Para acessar a energia psíquica do luar, o uivo deve ser individual e o mais alto e conectado com a alma selvagem possível.
Podemos interpretar que o lobo uiva para a lua para manifestar seu desejo de entrar em contato com novas ideias, antes escondidas pela mente consciente. O uivo é um chamado. É um grito à liberdade, à conexão, à alma mais vívida que nunca, porque entende os mistérios que nos habitam.
A sabedoria deste animal de poder talvez traz para nós a compreensão que podemos nos integrar à sociedade sem que ela afete nossa individualidade, impedindo nossos sonhos e anseios pessoais. A grande professora Loba compartilha seus conhecimentos com os demais, auxiliando os outros a encontrarem seus próprios caminhos, elevando assim a consciência da do todo através da sabedoria do inconsciente iluminado. Mas para isso ela trilhou seu caminho de poder sozinha, observando cada detalhe da floresta e do céu. Ela tem seu coração livre para viver e seguir seu instinto, mesmo que leal ao seu grupo.
Jamie Sams escreve uma informação interessante: “Na Grande Nação das Estrelas, o Lobo é representado pela Estrela do Cachorro, Sirius, da qual, segundo antigas tradições, vieram nossos mestres. Para os egípcios do tempo dos faraós, assim como para a tribo africana Dogan na época atual, Sirius é a morada dos Deuses. É uma coincidência impressionante o fato de que os índios norte-americanos também pensassem o mesmo e tenham adotado as pessoas do totem do Lobo como professores”.
Você pode chamar este animal de poder para lhe proteger em momentos de solidão, a fim de que a sabedoria interna aflore em suas veias selvagens, percebendo que por mais que estejamos solitários não estamos só. Ás vezes este animal pode lhe levar a algum tipo de mestre ou professor que lhe auxiliará na sua jornada. A loba também nos abençoa com a abertura da mente consciente para novas ideias, desbravando as águas do inconsciente. Uma boa forma de se conectar à este animal de poder é observar e interagir com as fases da lua.
Existem várias espécies de lobos, espalhados especialmente nos territórios da América do Norte e da Eurásia. Na América do Sul, o maior deles é o lobo-guará, já quase inexistente em regiões como o sul do país. Por isso, muitos contos e medicinas das várias culturas indígenas norte-americanas bebem do arquétipo do lobo, visto que o território do que hoje é os Estados Unidos já foi repleto desses animais, hoje em séria ameaça.
Clarissa Pinkola Estés, no livro “Mulheres que correm com os lobos”, conta-nos a história La Loba, um dos contos ancestrais do território dos Estados Unidos e do México. Para as mulheres, este animal de poder pode as ajudar a encontrar a mulher selvagem que nos habita. A mulher instintiva, conectada aos poderes de tudo que é oculto, iluminado a liberdade de ser o que é. Transcrevo o conto para finalizarmos a sabedoria da Loba:
La Loba
Existe uma velha que vive num lugar oculto de que todos sabem, mas que poucos já viram. Como nos contos de fada da Europa oriental, ela parece esperar que cheguem até ali pessoas que se perderam, que estão vagueando ou à procura de algo.
Ela é circunspecta, quase sempre cabeluda e invariavelmente gorda, e demonstra especialmente querer evitar a maioria das pessoas. Ela sabe crocitar e cacarejar, apresentando geralmente mais sons animais do que humanos.
Dizem que ela vive entre os declives de granito decomposto no território dos índios tarahumara. Dizem que está enterrada na periferia de Phoenix perto de um poço. Dizem que foi vista viajando para o sul, para o Monte Alban num carro incendiado com a janela traseira arrancada. Dizem que fica parada na estrada perto de El Paso, que pega carona aleatoriamente com caminhoneiros até Morelia, México, ou que foi vista indo para a feia acima de Oaxaca, com galhos de lenha de estranhos formatos nas costas. Ela é conhecida por muitos nomes; La Huesera, a Mulher dos Ossos; La Trapera, a Tapera e La Loba, a Mulher-Lobo.
O único trabalho de La Loba é o de recolher ossos. Sabe-se que ela recolhe e conserva especialmente o que corre o risco de se perder para o mundo. Sua caverna é cheia dos ossos de todos os tipos de criaturas do deserto: o veado, a cascavel, o corvo. Dizem, porém, que sua especialidade reside nos lobos.
Ela se arrasta sorrateira e esquadrinha as montañas e os arroyos, leitos secos de rio, à procura de ossos de lobos e,quando consegue reunir um esqueleto inteiro, quando o último osso está no lugar ea bela escultura branca da criatura está disposta a sua frente, ela sente junto ao fogo e pensa na canção que irá cantar.
Quando se decide, ela se levanta e aproxima-se da criatura, ergue seus braços sobre o esqueleto e começa a cantar. É aí que os ossos das costelas e das pernas do lobo começam a se forrar de carne, e que a criatura começa a se cobrir de pêlos. La Loba canta um pouco mais, e uma proporção maior da criatura ganha vida. Seu rabo forma uma curva para cima, forte e desgrenhado.
La Loba canta mais, e a criatura-lobo começa a respirar.
E La Loba ainda canta, com tanta intensidade que o chão do deserto estremece, e enquanto canta, o lobo abre os olhos, dá um salto e sai correndo para o desfiladeiro.
Em algum ponto da corrida, quer pela velocidade, por atravessar um rio respingando água, quer pela incidência de um raio de sol ou de luar sobre seu flanco, o lobo de repente é transformado numa mulher que ri e corre livre na direção do horizonte.
Por isso, diz-se que, se você estiver perambulando pelo deserto, por volta do pôr-do-sol, e quem sabe esteja um pouco perdido, cansado, sem dúvida você tem sorte, porque La Loba pode simpatizar com você e lhe ensinar algo – algo da alma.

Livros consultados:
Cartas Xamânicas, a descoberta do poder através da energia dos animais, de Jamie Sams e David Carson, publicado em 1988
Mulheres que Correm com os Lobos, de Clarissa Pinkola Estés, publicado em 1992
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